Você já viu o filme do Van Gogh? Então vamos falar sobre saúde mental

Você já viu o filme do Van Gogh? Então vamos falar sobre saúde mental
25 de abril de 2019 Wanise Martinez
Autoretrato de Van Gogh

A maestria do pintor holandês Vincent Van Gogh é indiscutível. Considerado um dos artistas mais influentes do século 19, ele inspira gerações até hoje. Só que sua sensibilidade artística não foi reconhecida em vida; ela quase sempre era vista com maus olhos, o que intensificou uma condição que o assombrou até o fim: sua frágil saúde mental.

O talentoso Van Gogh sofria, sofria muito. E isso é retratado de maneira bastante franca no longa “No Portal da Eternidade”, que chegou aos cinemas brasileiros na no início deste ano após fazer sucesso no Festival de Veneza e ganhar uma indicação ao Oscar 2019 para Willem Dafoe, que se entrega de corpo e alma ao papel do artista na telona.

As pinceladas firmes e as cores fortes que marcam um estilo único de pintura são também a voz de um homem enclausurado em si mesmo. Até hoje não se sabe ao certo se Van Gogh tinha transtorno bipolar, esquizofrenia, depressão ou talvez uma mescla dessas doenças. Era certo apenas que sua saúde mental tinha altos e baixos e que, como mostra a trama do longa, os quadros o ajudavam a tentar manter a sanidade e a lidar com a escuridão que o assolava de diversas maneiras, causando inclusive episódios de perda de consciência e convulsões.

Não à toa o artista holandês ficou conhecido por ter cortado a própria orelha após uma crise nervosa. Quis dá-la ao amigo e também pintor Paul Gauguin depois de ouvir que este iria embora da pequena cidade em que os dois estavam vivendo. Apesar de estar acostumado à solidão, Van Gogh precisava de companhia, e essa foi a forma que encontrou de expressar o que sentia com a partida do artista francês que ele tanto admirava e que – assim como ele próprio – também fez parte do movimento pós-impressionista.

A vulnerabilidade e a inconstância de Van Gogh assustavam, por isso ele era tido como louco por muitas pessoas da época. Ele não se encaixava naquela sociedade que parecia ainda não estar pronta tanto para a genialidade de sua pintura quanto para a complexidade de sua vida como alguém que precisa de tratamento e de compaixão. Van Gogh estava em busca de si mesmo, assim como eu e você, mas ele tinha outras questões que suscitavam cuidados médicos adequados e não os tratamentos cruéis e ineficientes a que foi submetido diversas vezes.

Epidemia mundial

Um relatório publicado pela revista “Lancet” no final do ano passado mostrou que a saúde mental instável, que tanto abateu o pintor holandês há dois séculos, tem se alastrado cada vez mais pelo planeta. Casos de doenças como ansiedade e depressão cresceram de maneira alarmante nos últimos 25 anos e a ausência de políticas públicas voltadas para o tratamento das pessoas que sofrem com essas condições só faz piorar o problema.

Nenhum país investe o suficiente, e apropriadamente, para evitar que essa tendência diminua, o que vai impactar de maneira crucial o bem-estar das sociedades e também causar um custo de 16 trilhões de dólares à economia global até 2030. Assim como aconteceu com Van Gogh, milhares de pessoas continuam sendo trancafiadas em instituições psiquiátricas ou prisões e submetidas à tratamentos que violam completamente os direitos humanos e apenas distanciam os pacientes de uma vida saudável.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão é a doença mental mais comum no mundo, afetando cerca de 300 milhões de pessoas. Além disso, outras 60 milhões sofrem de distúrbio bipolar, 50 milhões de demência e 23 milhões de esquizofrenia. Ou seja: precisamos sim falar e também agir para melhorar nossas políticas públicas voltadas à saúde mental, cobrando governantes e instituições que podem fazer a diferença. Além disso, a iniciativa também está em rever nossa própria relação com as pessoas que sofrem diariamente com esses distúrbios.

O papel da natureza

Apesar de contar com o amor e o suporte financeiro do irmão Theo, que o sustentou até o fim, Van Gogh não conseguia tê-lo sempre ao seu lado, pois ele tinha trabalho e família. Com isso, o pintor foi se apoiando na força que a natureza de alguma forma despertava nele. Ele tinha uma relação muito próxima com árvores, plantas, raízes que não apenas serviam de inspiração para suas obras como também lhe aceitavam exatamente como ele era. O mundo natural jamais lhe negou qualquer coisa, ao contrário do mundo humano.

De acordo com um estudo feito em 2018 pela ONG The Nature Conservancy (TNC), em parceria com a Universidade de Virginia (EUA) e o Centro de Resiliência de Estocolmo, na Suécia, ter contato com a natureza é extremamente benéfico para a qualidade da nossa saúde mental. Em um período em que as grandes cidades nos torturam diariamente com o excesso de poluição, trânsito e violência, só o que vemos é o aumento considerável de casos de transtorno mental e estresse. Daí a importância de frequentarmos mais espaços verdes, como parques e praças, e, quando possível, viajar para locais mais rurais – em especial se você ou um parente ou amigo tem alguma doença do tipo.

Assistir ao filme “No Portal da Eternidade” significa não apenas ver e sentir o que Van Gogh passou. É um alerta para todos nós de que a saúde mental precisa de um espaço em nossas vidas lotadas de compromissos. O nosso bem-estar presente e futuro dependem disso.

Veja o trailer do filme:

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Jornalista, escritora e tradutora. Trabalhou em grandes publicações, como os jornais “O Estado de S. Paulo”, “Metro São Paulo” e a editora Mythos/Panini, além de também ter sido correspondente da rede “Metro Internacional”. Tem experiência em impresso e digital nas áreas de saúde, cultura e tecnologia. É estudiosa de terapias alternativas, autoconhecimento e atleta de Taekwon-Do.